segunda-feira, 19 de novembro de 2007

Covardia, Crueldade, Prudência e Compaixão!

in Público.pt

Tribunal da Relação deu razão a despedimento de cozinheiro com HIV



O Tribunal da Relação de Lisboa considerou justificado e legítimo o despedimento de um cozinheiro infectado com HIV que trabalhava na cozinha de um hotel, confirmando decisão semelhante já tomada pelo Tribunal de Trabalho de Lisboa.




Por causa desta notícia pus-me hoje a pensar um pouco nesta questão. Não me tenho por grade entendedora na matéria e a minha experiência pessoal deste género de situações ainda que existente é consideravelmente limitada, no entanto tenho dificuldade em não me pronunciar sobre este assunto.

Hoje em dia a linha entre o que pode ser considerado medo irracional, covardia geral e massificada ou um acto ou acções prudentes e preservantes do bem estar geral é extremamente ténue, e na minha humilde opinião, é espezinhada constantemente.

Num mundo cheio de fantasmas horrendos como o terrorismo, o ódio racial e religioso, o HIV-SIDA, as armas nucleares e químicas, o aquecimento global e as impendentes catástrofes naturais... e tantas outras coisas! Neste mundo assim cravejado de medos somos tantas vezes levados a cometer injustiças e aberrações que têm por exclusiva base o medo irracional que sentimos ao sermos confrontados com estas tristes probabilidades da existência terrena!

Não posso deixar de sentir-me um pouco como alguns dos comentadores da notícia que afirmavam: ainda que ínfima a probabilidade de infecção não sujeitariam a ela os seus filhos.

Mas posso dizer que sei o quão irracional este medo é. Essa probabilidade existe sem dúvida, mas é infinitamente menor do que ser-se atropelado numa passadeira, e não vou impedir os meus filhos de atravessarem a rua numa passadeira, desde que tenham verificado no melhor das suas possibilidades que não há risco previsível em fazê-lo. Mas não haver risco previsível, não significa é claro que ele não exista.

Contudo, no lado oposto a todos estes medos está um valor que espero vir a conseguir incutir nos meus fihos, um valor que deve imperar sobre a natural covardia do ser humano - a COMPAIXÃO!

E o que senti ao ler a notícia deste senhor que perdeu o emprego foi que infelizmente ele perdeu muito mais do que uma profissão ou um ordenado. Ele perdeu a sua humanidade com esta decisão. E, embutidos deste medo irracional, nós - a sociedade - perdemos a capacidade de nos compadecermos dele na sua condição de ser humano e de o respeitar enquanto tal.

Perdeu este senhor o direito à nossa compaixão, que deveria sobrepor-se ao medo irracional de sofrer o mesmo que infelizmente ele sofre, que nos faz tomar uma probabilidade infíma como um risco previsível!

Recordo-me que quando a Ju nasceu havia, horas antes, na mesma sala sido feita uma cesariana a uma mulher portadora de HIV. Que eu tenha sabido disso já foi uma violação da sua privacidade (desnecessária, totalmente desnecessária).

Mas depois, para cúmulo, pude também observar como a pobre mulher (por sinal também de etnia africana) era tratada! Cortava-me por dentro! Fui "informada" pelas auxiliares para ter cuidado no contacto com a referida senhora dado ser a mesma uma "infectada", caridosas almas que me alertaram para esperar pelo próximo elevador para não ficar tão perto dela!

Partíamos ambas numa romaria diária para a sala de neonatologia onde estavam os nossos bebés. Tomei sempre o mesmo elevador e, apesar das advertências, chorei com ela, abracei-a, abrançando de seguida a minha filha. E porque corri eu este risco? Porque naqueles dias para mim ela era apenas uma mãe, cujo filho se encontrava, como a minha, numa incubadora. Ela vivia a incerteza de ter ou não contagiado o bebé, eu vivia a incerteza de saber se poderiam haver sequelas do incidente com o liquido nos pulmões da Ju. Eramos ambas mães, a sua dor era infinitamente superior à minha, mas eu senti-a.

Sentia-a de cada vez que alguém se afastava dela ou do seu bebé, por receio, por covardia, irracional e cruelmente. Voltaria a abraçá-la a enxugar as suas lagrimas e a beijar o seu bebé? Claro que sim! Mesmo que isso significasse um risco para mim e para a minha filha? Claro que sim, sem pestanejar!

Por isso espero que, em face de tudo o que de mau há no mundo, saiba a Humanidade manter sempre acima de todos os receios, tanto os mais infundados como até os menos, as virtudes da compaixão e do amor, que nos deverão tornar corajosos para enfrentar os perigos que nos rodeiam.

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